sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

PRIMEIRO DEBATE LITERÁRIO VIRTUAL DA SPVA/RN, COM O ESCRITOR/POETA/ARTISTA VISUAL, JOÃO ANDRADE 29/01/2016



Pergunta (Radyr Gonçalves)
Com o advento da Internet, a poesia, assim como a música e outras artes, ganharam um espaço grande nas redes sociais. Como o poeta vê a poesia contemporânea divulgada na rede? A poesia Fast Food é a poesia da vez, a poesia que vende, a poesia de mercado? O poeta acredita, que assim como acontece com os hits musicais, esse tipo de poesia é apenas uma onda passageira?

Resposta (João Andrade)
Eu acredito que o homem é a medida de todas as coisas. A Internet é um instrumento que pode ser usado para todas as finalidades. Antes dela já havia manifestações artísticas descartáveis. A Internet só possibilitou uma maior divulgação desse material. Fenômeno que já ocorreu com o rádio e a televisão.  Creio que a história determina separando o joio do trigo e quem tem o que dizer termina sendo ouvido, mesmo depois de morto. O que importa ser reverenciado é a arte, não o artista.

Pergunta (Mizael Souza)
Quem decide o que é e o que não é descartável quando o assunto é algo tão livre como a arte e em especial a poesia? O que de fato pode ser chamado de poema?

Resposta (João Andrade)
Como literatura é a arte da palavra, o que define o que é descartável ou não é aquilo que, baseado em teoria literária, é definido como possuidor de recursos poéticos de forma e conteúdo como relevantes ou não. Poema é a concretização física da poesia. Se esse poema é bom, ruim ou descartável é outra discussão.

Pergunta (Adélia Costa)
João, as suas imagens poéticas são digamos "dark", construções como anjos tísicos, caos, ser ferido, abismos, vazio, são recorrentes em seus poemas, tanto que as ilustrações são imagens mais escuras, sombrias. É perceptível o contraste entre elas e as suas telas cheias de cores, as suas postagens com tantos verdes e cores no Facebook, de plantas, dentre outras. Considero tudo isso como um fazer poético em diferentes campos. Pergunta: você intercala seu fazer ou até sentir poético mais "pesados" com essas outras produções que a meu ver são tão leves, cheias de cores, alegres?
Minha amiga Adélia,

Resposta (João Andrade)
O João Andrade que pinta, gosta de jardinagem, paisagens bucólicas e até dá aulas, é um personagem. É uma invenção minha. Ele não é real.
Pergunta (Ozany Gomes)
João, quando Thiago Gonzaga, te perguntou em uma entrevista, “Quem é o poeta João Andrade?” Você respondeu:
“Sou uma criatura em constante conflito, tudo, em mim, têm várias possibilidades, tudo é estilhaço, tudo é incompleto. Jamais chegarei a ser Cecília.
Nesse desequilíbrio, um dia olhei para dentro de mim e vi um abismo, pulei. Ainda estou em queda. Nesse transcurso, procuro me avaliar constantemente, para que eu possa ir vencendo meus demônios diários e, hoje, eu possa ser melhor do que fui ontem.”
Essa resposta foi dada há três anos... mudou alguma coisa nesse conceito a seu respeito?

Resposta (João Andrade)
O que mudou, minha amiga Ozany, é que três anos depois estou cada vez mais perto do fundo do abismo e amando mais ainda os momentos do transcurso da queda.

Pergunta (Adélia Costa)
Por que Livro de Palavra se há muito mais lá?

Resposta (João Andrade)
Porque participei de um concurso de poesia e coloquei os poemas em parágrafos. Foi devolvido alegando que não era um concurso de prosa. Então quando me perguntam: seu livro é de que? De palavra.
Também pela ambiguidade de que alguém de palavra é aquele que cumpre o que diz.

Pergunta (Adélia)
Percebemos algumas aliterações. Elas foram trabalhadas ou fruto da inspiração direta?

Resposta (João Andrade)
Normalmente ocorrem na inspiração. De algum modo já construo o verso assim.

Comentário (Geralda Efigênia)
Graça e paz e mais inspirações, sua poética inspira e conspira, artista.

Pergunta (Radyr Gonçalves)
João, esses abismos de que tanta fala não seria uma busca espiritual por algo mais profundo, além do que a religião nos proporciona?

Resposta (João Andrade)
Poeta Radyr, acredito que sim. Não sou religioso, mas sou constantemente encantado e espantado com o mistério e o espetáculo da existência.


Pergunta (Radyr Gonçalves)
Deus seria um poema desconhecido e misterioso nessa busca?

Resposta (João Andrade)
Não. Deus seria o poeta. Poesia é o estado d'alma que pode se concretizar em diferentes formas artísticas: pintura, fotografia, música, balé, etc. Quando a poesia se concretiza através da palavra escrita ou oral é um poema.

Pergunta (Ivam Pinheiro)
A intertextual idade é como um gatilho que detona a inspiração. Na sua poesia, seja escrita ou visual, nas imagens dos belos quadros, na minha opinião, é possível ver as duas vertentes das palavras que o dominam e conversam com o ser poeta.
O forte traço, as vezes, mais triste ou real do cenário do mundo nos poemas escritos, e o quase bucólico traço de estética sonhadora na pintura.
Você identifica nestas vertentes, o que te influencia, seja de forma intertextual ou através do inconsciente da poesia adquirida por ti?

Resposta (João Andrade)
Ivam, a intextualidade, em mim, não desencadeia uma inspiração. Ela é apenas um recurso literário q às vezes utilizo na intenção de dialogar com um texto consagrado e assim transmitir de forma satisfatória o q desejo.
Eu sofro influência de tudo e de todos. Sou uma antena.

Comentário (Eliete Marry)
Perfeito: A poesia é estado de alma, é tão provado a afirmação do João, que não conseguimos escrever poesias somente quando queremos, mas quando a alma deseja. Quando estamos em estado de alma. Eliete Marry
Há muita gente q sente esse estado d'alma, até adoece de "poetite", mas não consegue transformar esse estado em poema. Então encontra um poeta q fale por ela.

Pergunta (Adélia Costa)
Você trabalha os seus poemas em sala de aula?

Resposta (João Andrade)
Não. Não trabalho.

Pergunta (Ivam Pinheiro)
João Andrade, seus quadros fazem referência a sua poesia? Quais as suas influências na pintura?

Resposta (João Andrade)
Ivam, meus quadros são formas de expressão literárias que não consegui dizer em palavras, talvez por eles serem coloridos e eu plúmbeo.

Quanto às influências na pintura, não sei precisar, pois gosto de tudo.


Pergunta (Rita Cruz)
João admiro seu trabalho. Mas eu gostaria de saber se o que você escreve tem algo relacionado a sua pessoa? Suas poesias abrangem sentimentos que não são seus? Já que dizem que o poeta é um fingidor... gostaria de saber sobre o seu eu poético.

Resposta (João Andrade)
Minha querida Ritinha, apesar de procurar cantar de forma universal, ou seja, falar do sentimento de modo que todo ser humano possa se identificar com ele, tudo que escrevo é autobiográfico.


Pergunta (Adélia Costa)
Dos poetas do Rio Grande do Norte, quais te influenciaram e se tem um em específico para citar.

Resposta (João Andrade)
Amiga Adélia, há uma deficiência em minha formação no que diz respeito à literatura do RN. Deficiência que estou procurando diminuir depois do contato com o Thiago Gonzaga e com os poetas amigos da SPVA/RN.  Posso ressaltar apenas os mais conhecidos como Jorge Fernandes, Luiz Carlos Guimarães, Zila Mamede e Auta de Sousa.
Tenho também tido acesso aos trabalhos dos poetas contemporâneos. Quanto à influência confesso que não sei precisar.

Pergunta (Adélia Costa)
Sendo você artista plástico, não pensa em também produzir poesias visuais?

Resposta (João Andrade)
Adélia, para mim toda poesia é visual, assim como é tátil, olfativa, gustativa e sonoro, de modo que se faço poesia, já a faço visual.


Pergunta (Paulo Caldas Neto)
João, quais das correntes de vanguarda estariam mais presentes na sua pintura?

Resposta (João Andrade)
O dadaísmo e o surrealismo apenas como referências, não como estilo. Como estilo, eu não sei classificar o que eu pinto. Eu não entendo nada de pintura. Eu sou um engano das artes plásticas.


Pergunta (Paulo Caldas Neto)
O que representa a Filosofia enquanto ciência para você, João? E para a sua poesia?

Resposta (João Andrade)
A Filosofia para mim, Paulo, é o instrumento em que busco respostas para minha inquietação de existir e que possa me servir como base para o que eu tento transmitir em minha arte.

Pergunta (Mizael Souza)
Onde nasce a sua poesia?

Resposta (João Andrade)
Creio que a minha poesia é a poesia de todos os seres humano e dessa forma  ela não  nasce, de algum modo ela existe de todo o sempre. Em mim, essa poesia se faz poema sempre que o existir me fere.

Pergunta (Adélia Costa)
O existir te fere quando ele te deixa feliz?  Quando vê um poema criando vida? Acho q suas pinturas têm muito dos vitrais, das dobras tão ensinadas e estudadas pelo professor Ivan. 

Resposta (João Andrade)
Sim. Gostei da sua conceituação Adélia.

Comentário (Josivan Alves)
João, gosto de sua poesia porque não tem essas besteiras de palavras difíceis, a gente lê e entende, é limpa e arrebatadora. Existem poetas que escrevem coisas que só eles entendem e o leitor fica perdido.

Comentário (Mizael Souza)
Quintana dizia que quando o leitor não entende um poema, o leitor ou o poeta é burro.

Pergunta (Paulo Caldas Neto)
Você acha que outros poetas do RN têm em você um referencial para escreverem poemas, como é o caso de Leocy Saraiva, porque existe uma relação poética muito forte entre vocês dois?

Resposta (João Andrade)
Eu não tenho condição de ti responder isso Paulo. No caso de Leocy, acredito que nossa convivência e estudo em comum têm sido benéfico aos dois e nos influenciamos mutuamente.




Pergunta (Zé Martins)
João Andrade, meu irmão, boa noite! Eu estou querendo saber o que é ser poeta? O que é ser artista? E quando você assumiu, publicamente, ser poeta, ser artista?

Resposta (João Andrade)
Ser poeta, ser artista é ter o olhar voltado simultaneamente para o infinito e para as entrelinhas da vida e ter a obrigação de transmitir, através de sua arte, o que enxerga para o próximo. Caro Zé, eu não assumi.

Comentário (Zé Martins)
Nós nos sentimos muito bem em ter você como um grande poeta/artista, e assumimos tal posicionamento no primeiro encontro com você e sua arte poética.

Pergunta (Roberto Noir)
João, Nietzsche certa vez disse que ser filósofo é viver só em uma alta montanha gelada.  Ser artista em nosso país, com o compromisso de fazer algo de qualidade e com personalidade própria, não seguindo uma tendência pop de se fazer arte, é viver como o filósofo da afirmação acima? (Principalmente no caso de quem escreve poesia, que não é nada popular, já que mesmo entre pessoas que leem não é difícil encontrar quem não goste de poesia.) O título do seu livro, “Por Sobre As Cabeças”, é uma referência a Nietzsche, de alguma forma?

Resposta (João Andrade)
Grande Noir, eu acredito em arte como transgressão, como provocação, como aquilo que incomoda. Dessa forma, a arte pela qual dedico minha essência é essa em que o filósofo fala e fere em sua obra. Sim, Por Sobre as Cabeças é uma referência à Assim falou Zaratustra.

Pergunta (Leocy Saraiva)
João, você faz uma poesia carregada de dialogismo, (pra Bakhtin nenhum botar defeito!). Os poetas com quem você dialoga em seus trabalhos são suas referências? Eles te "ferem"?
Uma observação: Aprendo muito, realmente, com a poesia de João... se trago hoje suas marcas poéticas, como  diz o Paulo, sinto-me honrada e agradecida.

Resposta (João Andrade)
Certamente, minha poetisa favorita. Os poetas com os quais diálogo são os que mais me feriram ao longo de minha existência.

Pergunta (Thiago Gonzaga)
Nos indique um poeta e uma poetisa potiguar que você goste.



Resposta (João Andrade)
Amigo Thiago, estou aprendendo literatura potiguar com vc. Eu gosto de Iracema Macedo, Marise Castro, Maria Maria, Leocy e outros contemporâneos. Ainda não resgatei nossos clássicos potiguares. Gostaria de que você nos indicasse.

Pergunta (Ivam Pinheiro)
Amigo João, quando na sua poesia as palavras exprimem o sentir do poeta João, e em que momento a poesia expressa e reporta o ser personagem poetado?

Resposta (João Andrade)
Amigo Ivam, meu ser poetado sou eu. Eu sou um homo sapiens poeticus.(rs)

Comentário (Ivam Pinheiro)
Amigo João, digo que o estilo se triste ou alegre, feio ou bonito, na minha opinião é inerente ao ser Poeta. De forma nenhuma este traço não desmerece a sua belíssima e bem trabalhada estética poética.

Pergunta (Paulo Caldas Neto)
João, você não parece se prender a uma forma poética. Seu poema é livre. Mas, a reinvenção das formas poéticas também está presente no seu trabalho. Gostaria que você falasse mais a respeito do processo de criação nesse sentido.

Resposta (João Andrade)
Paulo, em poesia o como se diz é tão importante quanto o que se diz. A minha preocupação é dizer alguma coisa que preste, da forma mais poética possível. Certamente, é difícil aglutinar esses dois intentos. Não penso em estilo. Penso em fazer arte com a palavra.

Comentário (Eliete Marry)
João Andrade, já te falei né...sou sua fã. E cada resposta tua aumenta meu encanto por seu fazer poético. Eu só aprecio e analiso em silêncio! Nada desejo perguntar por este espaço. Já te falei de minha admiração e respeito.
Para mim, "você poeta o que em mim está preso!"

Pergunta (Eva Potiguar)
João, você disse algo que eu aguardava muito ouvir. "Não penso em estilo. Penso em fazer arte com a palavra".
Sem desmerecer o valor de algumas normas na literatura, você concorda que o poema para dar conta de funções tão viscerais que ferem e ao mesmo tempo, elevam ou transcendem desse humano sapiens de arte plurissensorial (tátil, olfativa, visual, sonora etc.), solicita quebrar paradigmas normativos e conceituais?


Resposta (João Andrade)
Sim, minha amiga Eva, acredito. Creio que não exista poesia sem emoção, porém colocar a emoção no papel ainda não é poesia. Quando digo que quero fazer arte com a palavra, estou dizendo que quero transmitir algo utilizando todos os recursos estéticos e literários possíveis, romper com alguns e se possível criar outros. O que não quero é ficar engessado em um estilo e ter a preocupação parnasiana de priorizar a forma em função do conteúdo. Não estou dizendo que o parnasianismo se resume a isso, é só uma ilustração.

Pergunta (Eva Potiguar)
Seria a arte do complexo e incessante busca de equilibro?

Resposta (João Andrade)
Para alguns. Para outros, do desequilíbrio. Tenho uma fascinação maior pelo que oscila.

Pergunta (Eva Potiguar)
Nesse sentido, poetizar seria como arte de desfazer a própria arte em algo novo que não exclui a literatura e sua inerente necessidade Estética?

Resposta (João Andrade)
Exatamente.

Pergunta (Rejane Souza)
Sua produção literária teve início desde que era estudante do curso de letras na UFRN, nos anos 80. Qual a relação que você faz entre suas poesias daquela Folha Poética produzida nos corredores do Centro Acadêmico de Letras, com a produção que você faz hoje? O que amadureceu? O que mudou? Qual sua visão poética hoje, em relação àquele período?

Resposta (João Andrade)
Amiga Rejane, creio que perdi a violência juvenil e ganhei a reflexão senil. Certamente, as leituras ao longo do tempo e maturidade me repertoriaram com novas preocupações. Posso dizer que hoje sou mais chato como pessoa e como poeta. Eu gostava mais daquele João.

Pergunta (Arlete Santos)
Olá, João.  Na sua opinião, o poeta para ser um bom poeta, necessariamente tem que ler outros poetas?

Resposta (João Andrade)
Não necessariamente. Já vi excelentes poetas analfabetos. Creio, amiga Arlete, que esse poeta seria ainda melhor se ele tivesse bebido na fonte cristalina de grandes poetas.




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